terça-feira, 24 de março de 2015

Porque a Igualdade é uma bandeira radical

                 Nesse 08 de março em meio a tantas manifestações feministas no facebook uma me chamou atenção. Uma mulher me diz que o feminismo tem que parar de falar de igualdade e falar de justiça, porque as mulheres não querem e não precisam ser iguais aos homens, que nunca homens e mulheres estarão de mãos dadas cantando “We are the world” e que feminismo é luta e que não tem nada de errado em odiarmos os homens, pois eles nos oprimem, e o ódio por eles alimenta a nossa vontade de acabar com a opressão.

De todas as coisas que eu poderia discordar desse ponto de vista eu escolho a visão de que a igualdade não é uma bandeira radical. Visão essa que me perturba como ser humano por dois motivos. Primeiro porque justiça e igualdade são coisas muito imbrincadas e lutar por justiça não me parece incompatível com lutar por igualdade, ao contrário, me parece que seria impossível faze-lo. Segundo porque parece que ainda perpetuamos e reproduzimos aquela velha fantasia de que o feminismo está aqui para transformar mulheres em homens.

Além desses motivos, me parece que certas campanhas institucionais, tipo HeForShe ou Campanha do Laço Branco, trazem a impressão de que a igualdade entre homens e mulheres só é possível se houver composição, um acordo entre homens e mulheres para um fim pacífico do patriarcado.

O feminismo como movimento político e filosófico se formou com uma diversidade primeiramente de classe, feministas sufragistas burguesas questionavam o direito de cidadania exercido pelo voto dado somente a homens, na mesma época feministas trabalhistas e comunistas questionavam também as condições de trabalho das mulheres, sua remuneração mais baixa e a negação de assistência às especificidades das mulheres... Vejam que o feminismo queria que todos pudessem votar de forma igual, mas exigia que as especificidades das mulheres trabalhadoras fossem respeitadas.

Se alguma corrente feminista tinha o “homem” como ideal a ser alcançado, o feminismo francês tratou de torna-la minoritária. A famosa Simone de Beauvoir em “O Segundo Sexo” escreveu sobre como a mulher era construída como um ser errado, transviado e que a opressão residia na visão da mulher como “o outro”, ou seja, para que o feminismo pudesse libertar as mulheres ele não pode compara-la aos homens, o homem não pode ser o ideal que queremos alcançar.

Aquela frase da Rosa Luxemburgo estampada nas nossas camisas faz todo o sentido para entendermos porque a bandeira igualdade não está aqui para nos transformar em homens: “por um mundo onde sejamos socialmente iguais, humanamente diferentes e totalmente livres”. O feminismo, nas suas mais diversas correntes, não propõe que as mulheres lutem para ser iguais ao homens, mas sim para que homens e mulheres tenham o mesmo valor e o mesmo espaço na sociedade, para que não haja hierarquia entre as biologias, para que não haja privilégios herdados, nem que hajam modelos naturalizados de exercer sua humanidade.

Se pararmos para pensar no que isso significa, percebemos que é a pauta mais radical do feminismo, porque envolve basicamente mudar tudo no mundo, mudar o jeito de fazer política, o jeito de produzir riqueza, o jeito de se relacionar com o outro....

No Brasil, por exemplo, a igualdade significa,  legalizar o aborto, diminuir as horas de trabalho, mudar quase toda a legislação trabalhista, garantir livre escolha no parto, criar mecanismos de paridade nas profissões, fim da divisão sexual do trabalho, criar mecanismos de prevenção da violência contra a mulher, regulamentação laica e racional do uso de drogas, agricultura livre de transgênicos, fim do latifúndio, ampla e irrestrita reforma agrária, fim da cultura do estupro, e muitas outras coisas ... e se der pra acabar com o capitalismo então, já ia ajudar bastante!

Todas as pautas mais radicais do feminismo são pautas de igualdade... A luta pela igualdade é a luta pela transformação das relações de poder, pelo fim dos privilégios e por esse motivo são batalhas difíceis de serem travadas.

Nesse ponto, acho que as campanhas de correntes feministas que têm ganhado a mídia contribuem para uma visão equivocada de como a igualdade será conquistada. A ONU tem convocado os homens a se envolverem na luta das mulheres pela igualdade. O slogan HeForShe (Ele Por Ela) pode ser bom se pensarmos que estamos convidando os homens a refletir sobre seus privilégios, mas é péssimo quando percebemos que ele criou a ideia de que o patriarcado e a opressão feminina é algo externo as relações entre homens e mulheres, e que homens e mulheres unidos vão combater algum tipo de “monstro do mal”, sem por em evidência de que a desigualdade vivida pelas mulheres é o que garante os privilégios masculinos e uma forma de produção que lucra (e muito!) com essa opressão... Ou pior, que a igualdade é uma concessão.

A igualdade pela qual os feminismos tem lutado não é compatível com conciliação, não é uma concessão dos homens, é uma mudança estrutural em como a humanidade se relaciona. Entretanto, eu não acho que o feminismo é compatível com qualquer tipo de ódio, os privilégios são gerados dentro de um sistema, sem que muitas vezes os indivíduos tenham escolha dentro dele. Aderir às falácias da misandria é assumir uma naturalização das relações humanas, onde homens nasceram com o machismo irreparável, o que é totalmente incompatível com o que se propõe o feminismo, que é mostrar que tudo isso é construído e pode ser mudado.


Também não concordo que exista apenas uma forma de alcançar a igualdade ou a justiça. A organização das mulheres em torno de seus direitos e aspirações tem formulado muitos caminhos possíveis, essas experiências fizeram avançar muitas conquistas e em outros períodos também trouxeram retrocessos. Mas se vamos lutar ao estilo Ghandi, ao estilo guerrilheiras do  YPG, se vamos disputar as vias institucionais, se vamos fazer tudo mesmo tempo, isso é uma resposta que só será encontrada na organização das mulheres.    
  

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